segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Superior, em quê¿

Os cursos de terceiro grau no Brasil representam, medianamente, a realização para muitos concidadãos. Todo, mais todo mundo mesmo, que conseguiu passar em um vestibular, seja para universidade top ou inqualificável, comemorou às pampas.
Primeiro por ter galgado o patamar máximo da educação média, depois pelas perspectivas de aprendizado profissional, sucesso, ascensão sócio-econômica e etc. O coquetel básico para mentes medianas. Alguns semestres cursados depois, as opiniões sobre os superiores se dividem.
Uma enquete rápida com o alunado certamente colherá indícios de frustração, críticas bem adolescentes pelo teor superficial e, nos casos mais graves, flagrantes inadequações pessoais às rotinas do ensino universitário.
Rigorosamente, o recém ingresso nos cursos tem apenas um semestre para maquinar e descobrir, per si, qual é a do ensino dito superior. Nesse tempo, safamente, o indivíduo tem que sacar as rotinas, o nível de estudo que ali se pratica, as relações que se estabelecem entre docentes e discentes, acostumar-se ao “desregramento produtivo”, ao disciplinamento de sua agenda de estudo e vida social, às condições postas de dialogicidade, ao estabelecimento de parcerias e etc.
Sobretudo, entender que está só. Que até as relações amistosas que estabelece com os colegas não vão lhe valer na hora em que tiver de dar respostas pessoais, coerentes e integradas.
E esse não é um processo simples. E não o é, sobretudo, pela imaturidade que as séries anteriores plantaram no comportamento dos indivíduos. É que a nossa educação começa pelas “tias” com seu bando de “mimadinhos”, de onde os piás já partem desaprendidos de segurança intelectiva.
Num segundo momento, lança o ente aprendiz, de supetão, na idade da “rebeldia”. Contraditoriamente, a fase que direciona o indivíduo para todo aprendizado mundano e pouco, muito pouco, para uma formação mais consistente e autônoma.
Aqui, a rebeldia significa afronta gratuita e desacato a tudo e todos (sobretudo à escola) e aprendizagem enviesada, conservadora em conteúdo e soluções pedagógicas. Outra vez lá vamos nós, brasileiramente jeitosos, nos resumindo às corrupções escolares, aos pactos pela “mediocridade” do ensino tutelado.
   Já a aprendizagem em nível de 3º grau se dá pela disponibilidade pessoal para aprender.
Aprender, no caso, ganha expressão de experimentar, empreender, gostar de ler, ter desenvolvido ao longo da vida escolar a capacidade de absorver e entender o que foi lido, de ter antecipado etapas, roçando conhecimentos além do cardápio oferecido pelos conteúdos curriculares, de competência na reprodução do que aprendeu, repassar, confrontar ideias e por aí vai.       
Se alguém, por acaso, sai de um curso superior e tem coragem de dizer que por lá não aprendeu nada, deixa claro, sim, que não deveria era ali ter entrado. Melhor, demonstram claramente que, em muitos casos, o curso superior entre nós virou um adereço social, um souvenir, e não um passaporte para uma compreensão realmente superior da realidade e da força de intervenção socio-estrutural da área de domínio. 
Para coisas práticas, busca desenfreada de alguns oligofrênicos, cursos de fuxico e amenidades seriam bem mais aprazíveis. Satisfação garantida durante o percurso e maiores sensações de realização no final.

por Edson de França



quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Malandro é malandro...

            Cá entre nós, basicamente existem dois tipos de malandros. Os safos, profissionais, e os amadores. Seguindo as lições da velha canção de Neguinho da Beija Flor, pedra bruta no repertório do malandríssimo Bezerra da Silva, aprendemos ludicamente que “malandro é malandro, mané é mané”. Malandros e manés figuram no mesmo cenário, dividem a mesma cena (geralmente periférica), compartilham os mesmos trejeitos, mas se diferenciam pelos comportamentos endêmicos. Malandro nasce malandro. Mané é o malandro que pegou o bonde errado.
            Definir o malandro, talvez seja uma das coisas mais difíceis para os especialistas em malocagens. Isso porque o malandro tem um perfil social (pré) conceituado pela sociedade. A imagem do malandro pressupõe a bebida, a boemia, a jogatina, a promiscuidade sexual e a violência latente, só para ficar na nata. Ou seja, o ébrio, o rufião, o trapaceiro, o descuidista, o cafetão, o golpista, o mãos leves do carteado e outros tipos são os malandros enraizados no imaginário popular.
            Tal definição, no entanto, cai por terra quando personalidades como Moreira da Silva, o Kid Morengueira, ou o próprio Bezerra, já citado, se definiam por outro tipo de malandragem. A malandragem dos que bebem socialmente ou são abstêmios, não gostam de armas nem de armações, aqueles que, ao que parece, se especializam tão somente na difícil arte da sobrevivência. A arte refinada pelo drible de corpo para situações limite, o olho vivo, a língua controlada, o apuro das idéias básicas, um golpezinho de vez em quando, um blefe ou outro para manter a pele intacta.
            Com a ascensão de tal persona, aquele malandro arruaceiro e aproveitador, tende a virar um mané de marca maior. O mané tende a projetar uma figura si mesmo, a exaltar essa imagem, a sofrer crises agudas de destempero verbal. Podemos dizer, sadicamente, que o mané o malandro que acreditou na estereotipia corrente da figura. Vestiu a camisa, armou os ânimos, pintou-se com as cores e caiu na rua acreditando-se malandrão de fato.
            Quando penso no universo e na cultura da malandrice, tendo a estendê-lo, qual bandeira, nos varais de toda a vida. A vida em si carece daquilo que chamo de “boa malandragem”. A malandragem vista por esse ângulo é aquela em que os artífices são pra lá de maneirosos. Tendem a falar muito, mas não tocam em ponto nevrálgicos que possam ferir coletivas suscetibilidades, a não ser pelo viés da crítica jocosa, do folclórico das gentes e tipos.
Malandro que é malandro não usa a tintura para a guerra contra exércitos bem armados ou para multidões insanas. Sabem do seu papel limitado, camuflam-se camaleônicos, não comem a carne onde ganham o pão, não dão a falar de si, não criam tipos que não possam se sustentar na hora das brigas foice.
O mané, ao contrário, acreditando que a imagem é o que vale, age com trejeitos desajeitados, cria em torno de si lendas e hábitos, que acredita promoverem a infalibilidade e a indestrutibilidade. Mas ficam por aí, na lenda. O mané social, na real, quer ser o que não é. Quer ter o que não pode. Quer viver o que não lhe é permitido. “São caboclos querendo ser ingleses” (Viva Cazuza e sua “Burguesia) ou “chupim querendo ser cardeal”, como nos ensinava um velho excerto embutido em velha cartilha de infância.

por Edson de França


   
           
           
             
           

             

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Maturidade intelectual II

            Constituímos um país relativamente jovem. Os 514 anos que contabilizamos parecem, ainda, apenas um rascunho do país que poderíamos ser. Um desenho de criança não seria tão tosco. A agravante é que nos rabiscos da criança de fraldas ainda há certa graça. Nos nossos passos civilizatórios há desorganização e uma tendência grave a quadros irreversíveis de anencefalia de alto a baixo.  
            Não sou capaz de pesar até que ponto evoluímos como povo e como sociedade, mas sinto de perto o quanto deixamos de avançar e, também, o quanto parecemos regredir.
Uma historia séria do Brasil poderia nos revelar o tanto quanto andamos queimando etapas, relegando passos importantes e negligenciando experiências bem sucedidas que poderiam ter continuidade. Em nossas crises de autocritica, creditamos todos os nossos desarranjos a nossa pouca idade, como se apenas isso fosse o responsável maior pela nossa mentalidade, digamos, limitada e propensa à mesquinhez.      
            Somos um país onde, ainda, cultua-se um papel pendurado na parede e uma arrasadora festa de formatura muito mais que uma formação de fato. Não seria, claro, uma aberração gritante, se fossem casos isolados ou comportamentos individualizados. Mas nos surpreendemos sempre com a repetição em massa dessa conduta.
Parece ser mais importante dar-se a conhecer ao high society, que ter consciência do papel social a ser desempenhado pelo profissional formado.     
Somos um país onde calouros de universidade, por farra, promovem sessões de humilhação e divertimentos homicidas. Onde estudantes de medicina, por molecagem, chamam o SAMU e roubam a chave da viatura (http://rederecord.r7.com/video/estudantes-de-medicina-roubam-chave-de-ambulancia-durante-festa-em-minas-gerais-5519f9260cf26c8c7f56092a/).
Um país, onde ao que parece, a medicina e outras formações de base servem apenas, salvo raras e bravíssimas exceções, como green card para o grand monde.   
Somos um país onde certa elite adora a Europa, vendo naquele continente a excelência da cultura e do pensamento. Mas, muitos vauchers depois, um certo ar de superioridade e egoísmo, contribui para que nada do que foi visto e aprendido por lá influencie mudanças de comportamento. Ou, no mínimo, ações públicas que redundem em melhorias para a coletividade.
O choque de cultura e o lustro geram espanto e impressão de intelligentsia apurada, mas ao que parece se limita a isso.
Se pensarmos este país como possibilidade teremos que querer, sem reservas, que cada vez mais pessoas tenham acesso real e pleno a condições de formação e trânsito cultural. Talvez só aumentando o exército de formados, promovamos realmente a depuração e a excelência das cabeças pensantes e proativas.  
Creio que uma Europa (idolatrada, salve, salve!) não se fez com poucas páginas produzidas, nem com a preguiça mental para devorá-las. Muito menos com elitização egoísta do conhecimento. Lastro cultural e maturidade intelectual devem ser construídos pelo empenho e pela sensibilidade teórico-prática de adquirir conhecimento como bem imaterial, para logo em seguida   pô-lo em contato e a serviço do chão nativo da pátria mãe. Sem maneirismos ou egotrips.

por Edson de França



 



quarta-feira, 15 de julho de 2015

Idolatrias maestralizadas

Se há um troço nauseante na cultura brasileira chama-se idolatria maestralizada pela mídia. Nela, laivos de oportunismo e babaquice, uma sebosa cumplicidade entre a corda e o pescoço, formam um banquete tétrico. Servido como repasto frio para mentes distraídas, convém ao apetite voraz das massas desavisadas e ignaras.
Creio que, para uma mente minimamente crítica, o acepipe figura como empadão indigesto, imoralmente adiposo, desses produzidos a revelia em rodoviárias com ingredientes de segunda e manipulação insalubre. Claro que como todo embuste é servido sob uma aparência pra lá de asséptica para dar ares de lisura, importância e com laços parentais com os imprescindíveis da vida. Numa expressão acadêmica, processo chulo de construção da legitimidade.
Nos últimos dias assistimos mais uma vez a ensaios patéticos nessa direção. Os hegemônicos, meios fabulistas de comunicação e respectivos porta-vozes, escolheram mais um iluminado, deram-lhe uma biografia positiva e ascendente e exploraram até o fim a tragédia pessoal. Tudo muito bem arquitetado.
Um investimento de horas (regiamente desperdiçadas por basbaques de todas as idades, classes e ocupações em frente às telinhas e telonas) na construção do mito, através da exploração mais vil da sentimentalidade e da comoção coletiva. Horas de fidelidade. Investimento maciço e maquiavélico na condução das visões de mundo de uma nação (ou de uma parcela considerável dela). A frio, duas faces de um mesmo desserviço cultural.
O sentimento de nacionalidade é, entre nós, construído pela forçação de barra dos esportes. Retirando o lado positivo (que existe), o problema está na reserva com os sujos bastidores e a irrealidade que eles traduzem e a que, fatalmente, conduzem. Nos mesmos moldes, irrelevâncias do mundo pop são conduzidas ao panteão da visibilidade para servir a formatação de uma mentalidade medianamente pífia e a-estética.
Penso que há uma máxima, ao que parece cultivada pelas divinas inteligências midiáticas, que um povo precisa de ídolos e deuses. Uma coisa assim como um Olimpo. Para tais deuses, culto e submissão. Ao outros, os súditos, alimentos para a alma sequiosa por preenchimentos banais.

Para os últimos, as facilidades de apreensão, a inoculação a fórceps de visões distorcidas de mundo e de vivencias que ampliem o crescimento coletivo e a própria ascensão individual.   

Por Edson de França

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Escrita aforismática

          “Enchendo linguiça!”. Foi assim que certa vez fui alfinetado enquanto tentava articular e parir poucas (e mal pagas) ideias que dariam luzes a um projeto de conclusão de curso. Faz uns bons 08 anos que o episódio aconteceu, mas até hoje a crítica instintiva me obriga a ruminá-la.
             A personagem criticava minha luta, talvez inglória, de buscar elaborar argumentos e criar uma linha de raciocínio, minimamente lógica, para o tal projeto de monografia.
            “O texto – tentava rebater o eu criticado -, sobretudo, o acadêmico, não pode ser escrito de forma direta como as expressões de gíria que utilizamos na conversa com nossos parceiros de copo e vadiação. Nem muito menos com poucas e tão diretas palavras dispostas aleatoriamente num textículo mal ajambrado.”
            “É preciso, além da linguagem clara, um tanto de argumentação como artifício, artesanato mesmo, da comunicação ‘complexa’ das ideias”.
Usei a palavra complexa para acentuar que, se mesmo as ideias mais simples têm um “que” de mistério, bastaria perceber a tal “inocência cruel das criancinhas, com seus comentários desconcertantes”, como diria o poeta.
            A linguagem cientifica – ou até uma simplória crônica, se exigirmos um pouco de purismo estético formal -, então, deve estar um degrau acima das nossas argumentações corriqueiras. Exige elaboração. E elaboração quer dizer, numa sequência rígida: ideia clara e precisa, inicialmente; acúmulo de informações empíricas e teóricas; ruminação criativa para dispor no texto as informações harmônica e coerentemente. 
Finalmente, criatividade na disposição dos argumentos que comporão o documento de comunicação a ser produzido. É o momento em que se vê que o texto não se resume a frases soltas, algumas de feitio, e emissões superficiais de pensamentos.
“Se assim não ocorrer, concluí, com essa carne picada para moldar essa linguiça e explicar suas poeticidades pueris, o tribunal acadêmico não absorve a propositura, nem absolve o proponente!”
            “Você argumenta para explicar; para mostrar a profundidade das suas ideias, os vários ângulos, possibilidades e fertilidade delas, além de permitir, a relativização de seus pontos de vista!”.  
            Discurso para o nada. Como convencer um ente de uma geração que não se acostumou com as nuanças e particularidades do texto escrito mais denso. Que se amoldou ao pensamento reto, direto, anti-dialogal; à lógica dirigista e redutora, sem possibilidades de esquiva, da linguagem publicitária.
À lógica hipnótica da propaganda ideológica que trata o indivíduo como objeto, entidade apenas com desejo insaciável de consumo para coisas fúteis e supérfluas.
À escrita aforismática de quem, com o uso de uma palavra desconexa, acha que já disse tudo. À palavra autoritária, cheia de empáfia e esnobismo e, sobretudo, anti-reflexiva.    
A nossa era é maculada pelo discurso ideologizante. A linguagem com que nos conduzimos nas redes sociais mostra bem isso. Frases feitas, pensamentos prontos e descontextualizados. Muitas delas, errônea e risivelmente atribuídas a figurões das letras, circulam e são reproduzidas incontáveis vezes.
Caímos, afinal, no rondó da preguiça mental, no ócio improdutivo das combinações neuroniais. Na prática insalubre de ficar às margens do córrego sujo, passagem dos pensamentos rasteiros, pescando com bico torto e impreciso as impurezas que boiam na superfície para, com elas, tentar entender o mundo, emitir opiniões e, ainda, almejar produzir ciência. Pobres. Por hoje, penso que a linguiça já tá cheia.

por Edson de França


              


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Maturidade intelectual (para a formação das opiniões)

            A história de um povo se faz pelo investimento nas formações individuais que, ao longo de um processo de compartilhamento de ideias e participação social, acabam por se materializar em decisões coletivas que influem nos comportamentos e nas realizações.
            A educação, a civilidade, o respeito, a honestidade, a lisura e até a capacidade autônoma de decidir e influir nas questões polêmicas da vida social, como a violência, por exemplo, demandam diretamente dessa equação.
            Creio não ser difícil intuir que a referência ao “amadurecimento individual” guarda uma relação direta com os processos educativos de transmissão, aprendizado e, sobretudo, construção do conhecimento.
É nesse território que os reiterativos, e para alguns maçantes, clamores teóricos e práticos em torno da essencialidade da educação como vetor de desenvolvimento do indivíduo e da sociedade (capitaneadas, em nosso meio, por pessoas como Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Cristóvão Buarque) ganha expressão.
Infelizmente, relegada a um plano secundário por governos e, muitas vezes, levada a reboque até por agentes diretos do processo, a educação entre nós continua sendo um problema estrutural e, sobretudo, um item mal compreendido e parcamente assumido por grande parte da população.
Educação em si não é só dominar os territórios do letramento, da leitura básica, da formatação e difusão de opiniões. Perpassa esses estágios, mas deve ser compreendida como conjunto, uma parte sendo indissociável da outra, um composto que nos capacitaria, individual e coletivamente, como entes autônomos de decisões, influência e autonomia.
A educação, assim compreendida, tem o poder de promover mudanças ou, no mínimo, contribuir para a participação proativa em todos os setores da sociedade, quando da afluência de questões mais delicadas.
No protagonismo conjuntural de questões como a violência urbana, as drogas, a maioridade penal, o desarmamento civil, a corrupção, é que se abrem brechas para o debate público, para emissão de pontos de vista ponderados e sugestões efetivas de solução ou contornamentos.
Nada disso, contudo, parece fazer parte de nosso repertório das ações “cívicas”. Pelo menos não é isso que se vê. Se a educação não é tomada pela sua raiz revolucionária, o protagonismo de um povo vai sendo postergado para um tempo além, quase não identificável.
Assim, gerações vão se perdendo sem vislumbrar mudanças realmente significativas, em meio ao pessimismo, a descrença e o engodo. Presa fácil do dirigismo patrocinado por grupos e corporações que, entrementes, lutam pela manutenção de seus próprios interesses e privilégios.
Um maior conhecimento, produzido e partilhado não nos livraria das trevas, é certo, mas ao menos evitaria a profusão de idéias centradas nas paixões. Ademais, nossa débil educação humanística geral age como incapacitante para formulação de opiniões mais balizadas, de domínio de métodos mais eficazes de análise da realidade circundante.  
O que parece sobrar-nos em termos de ardis políticos, pendores musicais (?) e malandragem futebolística, falta-nos na elaboração de métodos de apreciação das situações postas com isenção e objetividade.
Somos tomados pela emoção e pelos fracos critérios de análise. Não conseguimos ainda produzir um pensamento massudo sobre nossa realidade. Nossos posicionamentos, tão em moda, fartamente veiculados nas redes sociais da atualidade, expõem muito da nossa, ainda frágil formação, para análises contextuais e conjunturais e, consequentemente, para a participação consciente nos destinos de nosso quintal.

por Edson de França

               

               

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Dando alta para as zebras

Entre a décima segunda ou decima quinta saideiras, tendemos a ficar mais intensos na emissão de voz e, magicamente, os pensamentos parecem nos converter em entes mais espirituosos. Foi numa saga dessas um dos meus amigos me surpreendeu, em nossos papos aleatórios, com uma expressão deveras sugestiva. Qualquer coisa desagradável que surgisse ou que, por uma incongruência marota dos astros, se tornasse aziaga, recebia da parte dele um taxativo e filosofal: “Tou dando alta para...”.
Bastou a primeira emissão e seguiu-se uma profusão de “altas”, generosamente distribuídas, para pessoas, instituições, lugares e situações. Passei, por imitação, também a “dar altas” para fatos cotidianos de humor desagradável. Passei a considerar minha mera posição humana como um labirinto psíquico, sujeito a ocorrências sempre limítrofes, jamais intermediárias. Elas cotizam minha paciência, em parcelas não exatamente iguais, de estados de bem estar e irritabilidade iminente.
Dos estados de “bem estar” nada a dizer. A não ser curti-los extensa e intensivamente. Aos outros, cabe sempre a referência alegórica do manicômio, do hospital em que nos tornamos, em determinadas situações provocadas por agentes externos ou por nossas próprias encucações doentias. Dependências de um hospital, paredes brancas, convalescentes e estados terminais, leitos cansados de desencarnes, loucos de fato ou de direito zanzando de cima para baixo e nos observando, sádicos, com seus imensos olhos insanos.
Penso que não é exclusividade minha (nem do amigo professor) essa proto-condição humana. A materialidade acachapante dos cotidianos é condicionada pelas relações com instancias de toda natureza. Cada uma delas sugerindo emanações que fogem a qualquer controle por parte das entidades envolvidas. Há miasmas e produção acentuada de fogos-fátuos nas nossas estáveis e cambaleantes relações de convivência. Assim nascem os desacertos e as situações de desconforto.
Sempre que elas quiserem tomar contar, protagonizar a zebra em nosso pasto, alta para elas. Dar alta é tornar suspenso um estado de permanência em nossos limites. Existem, lógico, hospitais para recuperação prolongada e de pronto atendimento, esses últimos sem elasticidade de tempo para uma recuperação completa. Entre nós, seriam os chamados pavios curtos, aqueles que não estão com a paciência em dia para suportar ocupações de leito por muito tempo.
Há gente que atura, suporta, engole o sapo, respira, infla o peito e sai por cima. Talvez quem tenha uma tendência Madre Tereza se encaixe nesse perfil altruísta. O resto de nós, cuja santidade não tem raízes bem firmadas, seguimos tentando dialogar com o mundo e, vez em quando, “dando alta” para pessoas, situações, instituições, as coisas chatas e os atrasos de vida em geral.

por Edson de França