As ruínas do Almagre surgiram em meio ao campo recém-capinado. Afora uma árvore
frondosa no centro do terreno, toda a vegetação em volta parecia ter passado
por um processo de queima. Arbustos, galhos caídos e grama rala exibiam a
coloração, entre preto e o amarronzado, que denuncia a passagem lasciva das
línguas de fogo.
Estacas
pré-moldadas formavam um simulacro de cercado, do qual os fios pareciam ter
sido roubados. Antes das ruínas propriamente ditas, outra parede de folhas de
zinco dizia, por sua vez, “aqui há uma obra em andamento”.
Mas nada havia ali que sugerisse uma obra de (re)
construção ou de produção do conhecimento para recuperação do bem histórico.
Nada de operários, nada de pesquisadores. Nenhum visitante.
O centenário
convento, um dos pilares da historia da Paraíba, jazia ali, semimorto, como um
ancião mal das pernas sustentando por próteses emergenciais. Todo conjunto
posava sustentado por escoras de madeira para as lentes que ousassem flagrar,
ao que parecia, os estertores de uma massa em processo apresado de falência.
Pedras
espalhadas ao redor formavam montículos que pareciam escorrer da construção principal.
Ela, em verdade, parece derreter-se a olhos vistos. Um monumento aclamado que
vai, aos poucos, dando adeus. Abandono e resignação.
A
história nos conta que a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, também conhecida
como Igreja do Almagre ou Ruínas do Almagre, esta localizada na praia de Ponta
de Campina, no município de Cabedelo, litoral norte do Estado. A igreja foi erguida no início do século XVI (1598), no contexto do
processo de conquista do território e de catequização dos indígenas na Paraíba.
Não há referências à presença do templo na localidade em épocas
anteriores. Ele aparece nos registros, em 1804, como parte da propriedade da
Praia do Poço e é descrita como uma “igreja de pedra e cal coberta de telhas”.
As ruinas encontram-se tombadas desde 1938 pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Hoje, elas se encontram em áreas
particulares, havendo um acesso provisório ao local.
Eis o destino dos monumentos históricos a céu aberto, dos museus, da
memória, enfim, da cultura brasileira em si. No brasil sobram recursos para a
arrogância e a prepotência; faltam, porém, para a sensatez e a temperança.
Esbanja-se no financiamento da desimportância que elogia a burrice. Relega-se à
condição de mendicância a inteligência, o conhecimento, a preservação da
memória.
No caso do Almagres, como no caso de muitos outros monumentos, há situações
burocráticas e pendencias junto à justiça que impedem uma ação efetiva de
recuperação da área. Mas até mesmo os projetos que parecem dar um alento não
ganham a continuidade merecida.
Em 2016, prefeitura e IPHAN anunciaram uma parceria em que a área seria
limpa, sinalizada, cercada, teria as vias de acesso pavimentadas e toda área
iluminada, além se serem definidas a inclusão do monumento no roteiro turístico
da cidade, bem como os critérios de visitação. Também estavam em pauta
estabilização das ruinas e a recomposição do monumento através da recolocação
dos elementos em suas posições originais.
Aos olhos da época soou auspicioso, o plano. A preço de hoje, o item
conservação – mesmo emergencial, como se falou a época - passou longe.
por Edson de França (Jornalista, poeta e cronista)