quinta-feira, 11 de maio de 2017

Os piratas das esquinas

Terror dos mares. Assim ficaram conhecidos os piratas. Todos nós em um dia da nossa distante infância quisemos ser piratas. Andávamos encantados com as possibilidades (irreais, claro) de aventuras e paisagens e lutas de espadas e mosquetões e roupagens exóticas e pistolas e canhões e velas, mastros e terras a vista. Chegávamos a sentir os sabores do vento, da descoberta, das ilhas desertas, dos esconderijos, do manejo secreto dos mapas do tesouro, dos segredos guardados a sete chaves, do encontro ocasional de riquezas. Creio que só não sabíamos do gosto do rum na época.
Crescemos e o desejo naturalmente se diluiu; aprendemos a ver a vida sem mais sabores de aventura, nada além da paisagem cinzenta da prisão da rotina e do cotidiano sem luzes ao fim do túnel. Penso hoje, depois de grande, falido e besta, que as crianças é que estavam certas. Era melhor sonhar de olhos abertos e horizontes para além da vista. A milhas de distancia dos cartões de crédito, livros e cartões de ponto, remuneração pífia e olhares atravessados dos chefes. Lá, no imaginário, sempre havia um tesouro a ser conquistado.
            Entre os fins do século XVI até o século XVIII piratas, corsários e bucaneiros saqueavam as potências da época, particularmente atacando os navios daquelas que mantinham colônias ou postos avançados de comercio na região caribenha. Cabe dizer que essas potências carregavam o pecado de, em nome do expansionismo colonialista, dizimarem populações nativas inteiras para roubar o ouro, a madeira, o marfim e a força de trabalho, escravizando-a.
            O pirata, portanto, seria, numa leitura inimaginável para nossas consciências naqueles dias, um herói ante o imperialismo e a politica de saques promovida pelos donos do mundo. Para nós era um individuo de atitudes heróicas e pronto. Creio que sobreviveu no mais intimo de nós essa visão. Na sequencia holywoodiana Piratas do Caribe (EUA, 2003/2017) todo mundo torce para que o pirata histriônico Jack Sparrow (Johnny Depp), se não vença, pelo menos escape das investidas de seus inimigos no filme. Ou, ainda, na melhor parte humilhe-os, passe-os para trás ou deixe a nu suas faces despóticas.
            Os mares do nosso cotidiano, hoje, são as populações urbanas, o rebanho indócil e consumista que invade as ruas. Pelas esquinas da cidade, hoje, o pirata é o produto - cd’s e dvd’s, quinquilharias da china, roupas e acessórios que imitam as marcas famosas e toda sorte de produtos de origem duvidosa. Quem vende seria uma espécie de marginal, um fora da lei que negocia bens produzidos à margem do sistema convencional, ou seja, na ilegalidade. Resta dizer, porém, que o preço praticado pelos ilegais cabe direitinho no bolso dos pobretões, ou seja, atendem às limitações financeiras de uma porção da população que deixam lascas de se precioso couro no chicote sutil da exploração moderna.
            No lado oposto, a propaganda me pede desesperadamente, apelando para o meu senso de cidadão, para não adquirir tais produtos. Falam da qualidade e da minha contribuição para o mundo do crime, estabelecem uma relação direta entre o trafico de drogas e de pessoas e o comercio informal. Penso. Essa é apenas mais uma estratégia de deslegitimar, criminalizando evidentemente, esse comércio, não?
Ao mesmo tempo, a tal propaganda ainda quer me convencer que todo o lucro das grandes empresas, dos conglomerados multinacionais, é integralmente conseguido de forma lícita, legal e gera benefícios para a coletividade, para o país, para o distante subúrbio onde moro, para os irmãos que dividem as senzalas urbanas saltando de busão em busão. Para os marginais, os invisíveis, os sem carteira assinada, os sub-empregados de toda ordem, os explorados em sua força laboral que não percebem (nem tem como perceber) a sutileza brutal da exploração em que estão enredados.
Poupem-me. A logica não é essa, compadres. Quando tivermos empresas que paguem bem, enxerguem verdadeiramente o lado humano, invistam na sociedade, na educação e no meio ambiente paro de adquirir produtos piratas ali na esquina. Por enquanto, ainda acredito que a criança em mim tem razões para embarcar na nave pirata e expurgar, mesmo que por pirraça, a lógica que me induz a adquirir produtos de marca tal ou qual, aquela que jamais me dirá como foi produzida e que marca de chicote utilizou para “incentivar” a produção. 

por Edson de França

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