Terror
dos mares. Assim ficaram conhecidos os piratas. Todos nós em um dia da nossa
distante infância quisemos ser piratas. Andávamos encantados com as
possibilidades (irreais, claro) de aventuras e paisagens e lutas de espadas e
mosquetões e roupagens exóticas e pistolas e canhões e velas, mastros e terras
a vista. Chegávamos a sentir os sabores do vento, da descoberta, das ilhas
desertas, dos esconderijos, do manejo secreto dos mapas do tesouro, dos
segredos guardados a sete chaves, do encontro ocasional de riquezas. Creio que
só não sabíamos do gosto do rum na época.
Crescemos
e o desejo naturalmente se diluiu; aprendemos a ver a vida sem mais sabores de
aventura, nada além da paisagem cinzenta da prisão da rotina e do cotidiano sem
luzes ao fim do túnel. Penso hoje, depois de grande, falido e besta, que as
crianças é que estavam certas. Era melhor sonhar de olhos abertos e horizontes
para além da vista. A milhas de distancia dos cartões de crédito, livros e
cartões de ponto, remuneração pífia e olhares atravessados dos chefes. Lá, no
imaginário, sempre havia um tesouro a ser conquistado.
Entre os fins do século XVI até o século XVIII piratas,
corsários e bucaneiros saqueavam as potências da época, particularmente atacando
os navios daquelas que mantinham colônias ou postos avançados de comercio na
região caribenha. Cabe dizer que essas potências carregavam o pecado de, em
nome do expansionismo colonialista, dizimarem populações nativas inteiras para
roubar o ouro, a madeira, o marfim e a força de trabalho, escravizando-a.
O pirata, portanto, seria, numa leitura inimaginável para
nossas consciências naqueles dias, um herói ante o imperialismo e a politica de
saques promovida pelos donos do mundo. Para nós era um individuo de atitudes
heróicas e pronto. Creio que sobreviveu no mais intimo de nós essa visão. Na
sequencia holywoodiana Piratas do Caribe (EUA, 2003/2017)
todo mundo torce para que o pirata histriônico Jack Sparrow (Johnny Depp), se não vença, pelo menos escape das
investidas de seus inimigos no filme. Ou, ainda, na melhor parte humilhe-os, passe-os
para trás ou deixe a nu suas faces despóticas.
Os mares do nosso cotidiano, hoje, são as populações
urbanas, o rebanho indócil e consumista que invade as ruas. Pelas esquinas da
cidade, hoje, o pirata é o produto - cd’s e dvd’s, quinquilharias da china,
roupas e acessórios que imitam as marcas famosas e toda sorte de produtos de
origem duvidosa. Quem vende seria uma espécie de marginal, um fora da lei que
negocia bens produzidos à margem do sistema convencional, ou seja, na
ilegalidade. Resta dizer, porém, que o preço praticado pelos ilegais cabe
direitinho no bolso dos pobretões, ou seja, atendem às limitações financeiras
de uma porção da população que deixam lascas de se precioso couro no chicote
sutil da exploração moderna.
No lado oposto, a propaganda me pede desesperadamente,
apelando para o meu senso de cidadão, para não adquirir tais produtos. Falam da
qualidade e da minha contribuição para o mundo do crime, estabelecem uma
relação direta entre o trafico de drogas e de pessoas e o comercio informal.
Penso. Essa é apenas mais uma estratégia de deslegitimar, criminalizando
evidentemente, esse comércio, não?
Ao
mesmo tempo, a tal propaganda ainda quer me convencer que todo o lucro das
grandes empresas, dos conglomerados multinacionais, é integralmente conseguido
de forma lícita, legal e gera benefícios para a coletividade, para o país, para
o distante subúrbio onde moro, para os irmãos que dividem as senzalas urbanas
saltando de busão em busão. Para os marginais, os invisíveis, os sem carteira
assinada, os sub-empregados de toda ordem, os explorados em sua força laboral
que não percebem (nem tem como perceber) a sutileza brutal da exploração em que
estão enredados.
Poupem-me.
A logica não é essa, compadres. Quando tivermos empresas que paguem bem,
enxerguem verdadeiramente o lado humano, invistam na sociedade, na educação e
no meio ambiente paro de adquirir produtos piratas ali na esquina. Por
enquanto, ainda acredito que a criança em mim tem razões para embarcar na nave
pirata e expurgar, mesmo que por pirraça, a lógica que me induz a adquirir
produtos de marca tal ou qual, aquela que jamais me dirá como foi produzida e
que marca de chicote utilizou para “incentivar” a produção.
por Edson
de França
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