Subíamos
uma região íngreme quando, logo depois de uma acentuada curva, surgiu a placa.
Era uma dessas placas de publicidade populares composta em letras retas e uma
seta, dessas que geralmente indicam para uma imprecisa direção. A localidade
era meio erma. Como dissemos enladeirada. O barro vermelho vincado por veias abertas
pela descida das águas de chuva e uso doméstico. Algumas casinhas geminadas
típicas de subúrbios ou povoados do arrabalde compunham a paisagem local.
Talvez a coisa mais atrativa ao olhar ali fosse justamente a chamativa placa e
seu reclame.
Notei que os olhos do parceiro de aventura quase saltaram
das órbitas ao vê-la. “Ôba, óia só, um forró!!! Mais tarde, quando
nóis se desocupar, vou vir aqui pegar umas ‘nêga’, exclamou sorridente.
Acusei imediatamente o engano do colega, mas não o resgatei do erro. Não quis
tirá-lo do estado onírico que antecipava prazeres no FORRÓ DE GÉSSO (penso que
a sonoridade soaria como se a palavra fosse escrita com Ç, portanto Geço).
Confesso que ri por dentro, deu vontade de alertá-lo, mas me contive e seguimos
viagem.
O português para quem os linguistas requerem o rigor e o
purismo das formulas do bem falar e escrever e os poetas denominam de espada
para a luta inglória por dar sentidos e traduzir sentimentos é a mesma que,
poeticamente, o povão reinterpreta e a faz viva e dinâmica. Em qualquer dos
casos ela em realidade se mostra como uma lamina de dupla face com gumes
amoladíssimos.
Se
por um lado ela serve eficientemente com o instrumento básico da comunicação
humana, não importando como seja usada nem em que nível, por outro, é uma
caixinha sempre disposta a pregar peças, turvar compreensões e macular
interpretações. Além disso, é pródiga em gerar mal entendidos, facilitar o duplo
sentido e, como no caso acima, induzir a interpretações livres, apressadas e,
na maioria das vezes, risíveis.
A placa dizia formalmente em um português claro para os
padrões da comunicação urbana: “Indo naquela direção você encontrará FÔRRO DE GÊSSO”
(Forro de Gesso). Intencionalmente reproduzi a o enunciado da placa ressaltando
os diferenciais que não lembro se haviam na original. Acentos diferenciais no caso fariam a
diferença gigantesca.
Para
o lúbrico amigo o que saltou a vista, entretanto, foi a possibilidade de
desfrutar de alguns momentos de libido com as meninas do tal forró de Gesso.
Creio que até hoje ele vasculha aquelas bandas a procura do tal forró e suas
voluptuosas negas.
HxHxHxH
O
bilhetinho, tipo ordem de serviço informal para o emissário que iria a barraca
de Xará buscar o lanche da tarde para a rapaziada da Livraria era objetivo e
claro.
2
coxinhas (uma de frango e uma de carne)
6
pães queijo
2
esfihas
1
guárana pet de 2 litros
Alguém,
no entanto, antes do bilhete evaporar do recinto, chamou a atenção do redator
da missiva gastronômica.
- O
acento agudo desse guaraná aí não está errado não?
-
Ah, é mesmo. Vou consertar, imagina se alguém mais vê!
Sacou
a caneta e consertou, solfejando em voz alta todas as silabas.
- 1 guarána
pet de 2 litros.
Chamado
atenção mais uma vez, mais desculpas, “affi, tô morto de vergonha”. Sei
que, acentos e desacentos depois, a palavra acabou saindo da livraria
corretamente acentuada e o redator, talvez, um pouco mais atento para as
armadilhas da ortografia.
A
história, claro, é que não podia morrer ali. Virou piada entre os pares e
extrapolou os limites do ambiente de trabalho. A testemunha ativa do episódio
incorporou o episódio ao seu arsenal de potocas. Não sabendo, porém, que a
história ainda poderia render mais um capitulo xistoso.
A
expectativa comum a todos os contadores de estórias – mesmo os instantâneos
pessoais verídicos – é ver a cara de lua do expectante abrir-se num sorriso
largo e desague numa suculenta
gargalhada. No presente causo, a expetativa não se confirmou, ou melhor, foi
danada de desconcertante.
- E
guaraná tem acento? – perguntou um aparvalhado ouvinte.
Coisas
do nosso português.
Por Edson de França
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