O
capítulo da saga dos predestinados pode reservar estórias para além da
imaginação. Quando elas têm um pé no real, então a coisa assume tons surreais.
Para começar, parece haver uma relação intestina – aleatória, claro, entre o
nome de batismo ou sobrenome de descendência e a escolha de uma profissão. Em outros
casos, o impulso das sociabilidades impõe contingências que se atrelam como um
desígnio, uma traquinagem do destino com atos e manias do escolhido.
São coisas do tipo: aquele ente que ganha no batismo o
sobrenome Tiradentes e durante a vida acaba atuando profissionalmente como
dentista. Ou então, o cara é premiado com o magestoso nome de Emérito Cornélio
Simples e, na sequencia da vidinha besta, vira um senhor pacato, namora, noiva,
casa e, naturalmente, como uma galhofa dos deuses do acaso, ganha portentosos
cornos de brinde da vida. Predestinação pura.
São
coincidências, como as coletadas pelo humorista José Simão, da Folha de São
Paulo, entre elas: Elisa Metefogo (diretora de presídio); Gustavo
Coelho (médico veterinário); Temildo das Trevas (chefe do Cadeião de Maceió); Fernando
Cabide (vereador); José Carlos Aquino Velho (médico geriatra); Carlos Redondo (superintendente
da Pirelli Pneus) e Giorgio Rabolini (médico urologista).
O engraçado, porém, é quando o nome (ou sobrenome) em
algum momento da trajetória dos eleitos possa ser traduzido em comportamentos
contumazes ou instantâneos. Partindo dessa
premissa, é que utilizo-me do meu espaço crônico para narrar a estória do
predestinado Barata. Guardem o nome e lembrem-se das manias ou modus operandi do indesejável habitante
do planeta que ascende dos esgotos e insiste em compartilhar moradia com os
habitantes, lambendo, na surdina, tudo que lhes pareça apetecível.
Penso que conheci o Barata nos meus tempos de estudante.
Era político já, na época. Por muitas vezes, o encontrei como candidato a algum
posto eletivo. Ao que consta, jamais conseguiu ter direito a um mandato, nem
como eventual substituto em caso de licença saúde de algum titular. Restou,
creio, utilizar a experiência e o voto nominal dos incautos eleitores para
ganhar ou galgar posições no serviço público, prática comum entre os políticos nanicos.
Passei muito tempo sem vê-lo. Também acho que ele esgotou
a cota de desejo de se tornar um parlamentar ou, em outra hipótese, talvez
tenha conseguido o cargo e a consequente remuneração máxima que suas múltiplas
candidaturas lhe possibilitaram. Encontrei-o dia desses em uma situação, se não
hilária, no mínimo nauseabunda, que justifica integralmente a predestinação da
persona.
Estava
em um ponto de ônibus numa avenida movimentada de Subirauá, quando o vi se
aproximar. Estava mais velho, meio manquitola e com um ar especialmente blasé;
daqueles que já experimentam o doce alheamento que a loucura e a senilidade
proporcionam. O Barata ia fazer a mesma coisa que eu; esperaria um ônibus que
nos levaria a algum ponto daquela atraente urbe.
Mas
enquanto permaneci em pé, o Barata tratou de arranjar lugar mais aprazível.
Acomodou-se numa mesa de um bar próximo. Ficou por lá, cara de boi lavado,
observando a vida ao redor. Já havia até esquecido que o tinha visto, quando um
instantâneo me chamou a atenção. Vi o Barata pegar um guardanapo e limpar
vigorosamente a boca. Seria natural, o dia estava quente, a testa sua, escorrem
suores pela boca.
Porém,
fiquei cá comigo imaginando, que parte ou complemento teria perdido daquela cena.
Resolvi fixar minha atenção na figura e notei, em principio que na mesa só
havia mesmo as garrafinhas porta temperos (abastecidas, claro), que servem para
condimentar os pratos pedidos pelos clientes de fato. O Barata estava ali, de
penetra. Um ocupante, vamos dizer, indesejado.
Se
nossa expressão pudesse ser traduzida em holográficos emojis, usaríamos na hora, dois olhões arregalados para expressar,
a minha e das demais testemunhas, diante da cena dantesca. É que o Barata
começou pelo molho de alho, deu duas ou três mamadas na bisnaga, empertigou-se
e usou o providencial guardanapo para limpar a prosbócide. Daí, foi à pimenta,
dois três goles, língua nos lábios e, outra vez o guardanapo.
Caiu
de boca no azeite e repetiu elegantemente o procedimento. Chegou a vez do
vinagre, e lá se foi o Sr. Cucaracha satisfazer sua inspeção matinal dos
alimentos. Pelo que vi, salivou todos os temperos, batizando-os. Acho que só
faltou mesmo palitar a dentuça e devolver os palitos ao seu lugar de origem. Sei
não. Pensei no cliente que viesse a ocupar aquela mesa na hora do almoço, e
aprendi: em bar que tem baratas, melhor não fazer uso dos temperos disponíveis
na mesa.
Por
Edson de França