A
discussão que se seguiu ao intempestivo desaparecimento do Ministério da Cultura atraiu-me por alguns posicionamentos. Pontos esses que
não se apaziguaram em mim nem com o súbito reaparecimento do mesmo. Primeiro, a comemoração que se seguiu por
parte superlativa dos apoiadores do governo interino como se o ministério
representasse um sumidouro voraz de recursos, ações escusas e investimentos
fúteis e, segundo, a malhação raivosa dos artistas sob os apupos de
“vagabundos” ou aproveitadores infiéis dos recursos públicos. Pensei, cá com
meus botões, no teor das ideias que poluem a cabeça dessa gente e de que fontes
elas se alimentam.
Primeiramente,
sem entrar no mérito da imprescindibilidade (ou não) de uma pasta voltada a
cultura, acho extremamente ignóbil uma pessoa que se passa a denegrir a arte e
os artistas. Penso seriamente que isso revela uma mentalidade de classe que vê
inutilidade na produção cultural por não entendê-la (afinal, para isso tem-se
que ter capital, pasmem, cultural) e que vê no investimento na cultura um
desperdício.
É o
caso, por exemplo, de uma excelência oligofrênica, representante de uma legião
demoníaca (que por aqui é partido), que vi na Tv que, durante uma sessão do
senado, demagogicamente (isso se lia na carantonha), dizendo que os
investimentos da Cultura deveriam ir pra saúde (tudo bem ele tinha cara de
burro mesmo!).
Penso
que esse ódio assim destilado é uma particularidade da elite brasileira que já
identifico a uma porrada de tempo. Nossas elites dirigentes tem a cultura como
um bem a ser exibido como souvenir. Então é mais fácil para eles irem à Europa
e voltar regurgitando “cultura” e exibindo fotos e fatos dessas incursões do
que perceber que “produção cultural” não se faz só com vontade, talento e
voluntariado. A mesma coisa que se dá em termos de educação, níveis de
civilidade e urbanismo.
Fala-se
das praças maviosas da Europa, da educação e civilismo dos americanos.
Decanta-se as ruas limpas, a integridade dos monumentos públicos, a excelência
das universidades, os níveis elevados de avanço científico, da introdução dos
avanços tecnológicos na vida cotidiana, dos avanços sociais e da participação
do povo na vida pública, do nível cultural e artístico das bandas de lá e por
aí vai.
Por
aqui, entretanto aplica-se outra lógica e nada do que se vê e idolatra-se lá
fora parece merecer uma versão tupiniquim. Copia-se, isso sim, os modismos
descartáveis, mas tem-se dificuldade de perceber a ação estratégica que seria
investir em bens culturais mais permanentes. E esse é o mal dos postos de mando
que, infelizmente, são ocupados por entes oriundos de famiglias cuja
mentalidade não ultrapassa os limites do corolário de crenças de sua classe e
descendência. Usa-se quase sempre o discurso de tarefa difícil e de povo
indócil demais, sem a mínima sensibilidade para essas coisas.
A
cultura, como deu a entender dia desses um senador gagá daqui de nós quando
interrogado sobre seus planos para cultura, seria a revitalização de festas
démodé de padroeira e quermesses. Uma prova cabal que de cultura, nossos
políticos não entendem nada. Para a maioria cultura se faz com mulambos,
migalhas assistencialistas e amadorismo, tipo as pecinhas montadas em escolas
de ensino fundamental por diligentes professorinhas.
É
impossível gente desse nível de mentalidade perceber o universo educativo,
socializante, formador, participativo e financeiro do mundo das produções
culturais. De como ele faz circular significativos valores econômicos e de como
através da circulação de bem simbólicos e bem produzidos garante-se o
deslocamento de pessoas e o consumo nos centros de excelência cultural.
Não
vou afirmar, me repetindo, que um ministério da cultura seja tão indispensável.
Não saberia avaliar isso. Mas não é entendo é um país que tem carências em
todos setores da Cultura, desde a manutenção dos monumentos históricos até a
circulação e disponibilização do acesso aos bens culturais, possa prescindir de
especialização e especialistas dedicados a esse setor e, muito menos, que
artistas sejam considerados vilões numa estrutura que eles só ajudam a entender
e criar níveis de criticidade bem maiores.
Não
quero afiançar que não haja distorções. Claro que há, como em todos os setores
da vida brasileira – políticos e de administração pública, sobretudo. Mas, se é
para discutir distorções, abramos a caixa preta da máfia branca, por exemplo, e
de como ela se locupleta, por séculos, dos favores públicos, inclusive
saqueando o sistema. Se vamos nessa direção, que façamos Raios X geral e irrestrito
para localizarmos onde moram os vagabundos. No mais, aproveite o tempo
desperdiçado na dificílima tarefa de elaborar um discurso falacioso e vá ao
teatro, ao museu, assista uma manifestação popular, vá a uma feira livre para
ouvir o cantar dos chapeados, leia um livro, ouça uma canção, entenda-a e
reverencie a alma criadora.
por Edson de França
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