quinta-feira, 2 de junho de 2016

A gente não quer só comida!!!

A discussão que se seguiu ao intempestivo desaparecimento do Ministério da Cultura atraiu-me por alguns posicionamentos. Pontos esses que não se apaziguaram em mim nem com o súbito reaparecimento do mesmo.  Primeiro, a comemoração que se seguiu por parte superlativa dos apoiadores do governo interino como se o ministério representasse um sumidouro voraz de recursos, ações escusas e investimentos fúteis e, segundo, a malhação raivosa dos artistas sob os apupos de “vagabundos” ou aproveitadores infiéis dos recursos públicos. Pensei, cá com meus botões, no teor das ideias que poluem a cabeça dessa gente e de que fontes elas se alimentam.
Primeiramente, sem entrar no mérito da imprescindibilidade (ou não) de uma pasta voltada a cultura, acho extremamente ignóbil uma pessoa que se passa a denegrir a arte e os artistas. Penso seriamente que isso revela uma mentalidade de classe que vê inutilidade na produção cultural por não entendê-la (afinal, para isso tem-se que ter capital, pasmem, cultural) e que vê no investimento na cultura um desperdício.
É o caso, por exemplo, de uma excelência oligofrênica, representante de uma legião demoníaca (que por aqui é partido), que vi na Tv que, durante uma sessão do senado, demagogicamente (isso se lia na carantonha), dizendo que os investimentos da Cultura deveriam ir pra saúde (tudo bem ele tinha cara de burro mesmo!).
Penso que esse ódio assim destilado é uma particularidade da elite brasileira que já identifico a uma porrada de tempo. Nossas elites dirigentes tem a cultura como um bem a ser exibido como souvenir. Então é mais fácil para eles irem à Europa e voltar regurgitando “cultura” e exibindo fotos e fatos dessas incursões do que perceber que “produção cultural” não se faz só com vontade, talento e voluntariado. A mesma coisa que se dá em termos de educação, níveis de civilidade e urbanismo.
Fala-se das praças maviosas da Europa, da educação e civilismo dos americanos. Decanta-se as ruas limpas, a integridade dos monumentos públicos, a excelência das universidades, os níveis elevados de avanço científico, da introdução dos avanços tecnológicos na vida cotidiana, dos avanços sociais e da participação do povo na vida pública, do nível cultural e artístico das bandas de lá e por aí vai.
Por aqui, entretanto aplica-se outra lógica e nada do que se vê e idolatra-se lá fora parece merecer uma versão tupiniquim. Copia-se, isso sim, os modismos descartáveis, mas tem-se dificuldade de perceber a ação estratégica que seria investir em bens culturais mais permanentes. E esse é o mal dos postos de mando que, infelizmente, são ocupados por entes oriundos de famiglias cuja mentalidade não ultrapassa os limites do corolário de crenças de sua classe e descendência. Usa-se quase sempre o discurso de tarefa difícil e de povo indócil demais, sem a mínima sensibilidade para essas coisas.
A cultura, como deu a entender dia desses um senador gagá daqui de nós quando interrogado sobre seus planos para cultura, seria a revitalização de festas démodé de padroeira e quermesses. Uma prova cabal que de cultura, nossos políticos não entendem nada. Para a maioria cultura se faz com mulambos, migalhas assistencialistas e amadorismo, tipo as pecinhas montadas em escolas de ensino fundamental por diligentes professorinhas.
É impossível gente desse nível de mentalidade perceber o universo educativo, socializante, formador, participativo e financeiro do mundo das produções culturais. De como ele faz circular significativos valores econômicos e de como através da circulação de bem simbólicos e bem produzidos garante-se o deslocamento de pessoas e o consumo nos centros de excelência cultural.
Não vou afirmar, me repetindo, que um ministério da cultura seja tão indispensável. Não saberia avaliar isso. Mas não é entendo é um país que tem carências em todos setores da Cultura, desde a manutenção dos monumentos históricos até a circulação e disponibilização do acesso aos bens culturais, possa prescindir de especialização e especialistas dedicados a esse setor e, muito menos, que artistas sejam considerados vilões numa estrutura que eles só ajudam a entender e criar níveis de criticidade bem maiores.
Não quero afiançar que não haja distorções. Claro que há, como em todos os setores da vida brasileira – políticos e de administração pública, sobretudo. Mas, se é para discutir distorções, abramos a caixa preta da máfia branca, por exemplo, e de como ela se locupleta, por séculos, dos favores públicos, inclusive saqueando o sistema. Se vamos nessa direção, que façamos Raios X geral e irrestrito para localizarmos onde moram os vagabundos. No mais, aproveite o tempo desperdiçado na dificílima tarefa de elaborar um discurso falacioso e vá ao teatro, ao museu, assista uma manifestação popular, vá a uma feira livre para ouvir o cantar dos chapeados, leia um livro, ouça uma canção, entenda-a e reverencie a alma criadora.

por Edson de França




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