segunda-feira, 23 de maio de 2016

Catecismo dos reclamões

Com o tema comporia um fado. Imprimiria tristeza na melodia, na armadura musical, no acompanhamento e na interpretação. Na letra, exortaria meus fantasmas em reclamações pelos amores perdidos, pelas nostalgias da casa da infância mãe e, como tema incidental, enxertaria trechos de minha pequena visão de vida e a impossibilidade de pôr-me em lugar dos que atingi com meus desatinos. Estaria composto, então, o fado dos reclamões, uma elegia festiva aos comportamentos mesquinhos e aos comentários desabridos e impensados.
Com certeza me perguntariam o porquê do fado. Respondo que não caberia, para o caso, a entoação de um frevo, uma bossa ou um mágico samba. Creio que não e exponho minhas razões.
O frevo dá alegria nas pernas, reclamões são parasitas por excelência; a bossa é muito sofisticada e contida para ser subutilizada como ícone para lamentos muitas vezes estridentes e monocórdicos como a cantiga da perua (de pió a pió); o samba conduz alegria e tristeza abraçadas num mesmo guarda sol musical. Os reclamões, enfim, não são alegres, nem tristes, nem poetas, nem proativos, nem utopistas, nem arautos da esperança. São só reclamões por natureza e oficio, nada mais.
            Acompanho com muita atenção os comportamentos (os meus, então, bem de perto; por dentro e cercanias, inclusive) e os comentários que o ser humano é capaz de engendrar inconscientemente, isto é, sem pesar a extensão de seus comentários, nem a autocrítica necessária ao processo de emissão de opiniões. E, muitíssimo menos, o conhecimento histórico que facultaria profundidade às análises conjunturais. E, afinal, o que eles entenderiam por conjuntura?
As redes sociais permitiram a generalização do exercício da opinião. Há algum tempo, a opinião dos famosos é a média do nível da mentalidade nacional, pela exploração exagerada dos canais por parte das celebridades de plantão.  Hoje, ela se tornou a ágora dos anônimos e instalou-se, de vez, a balbúrdia. Nos grupos profissionais, associativos e comunitários, nos comentários destilados em perfis pessoais e nos blogs vai se compondo o perfil atual dos opinantes e, por ironia, vão se expondo as bases da emissão de opiniões.
Infelizmente, conheço de perto um monte de gente que utiliza as redes sociais para destilarem seus sofríveis pontos de vista. Infelizmente, porque, conhecendo-os, posso aquilatar por que processos eles construíram o nível mental que andam por aí usando. Infelizmente, por que o pensamento exposto não reflete um arcabouço articulado de ideias.  Apenas um mix de ideias arrevesadas, fruto de algum interesse frustrado ou decadência de algum título nobiliárquico, que eles vão destilando feito as prédicas de um velho e seboso catecismo.

por Edson de França 

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