Uma
contava por volta dos 16, 17 anos. A outra engatinhava pelos cinco, seis anos.
A diferença de idade, contudo, as aproximou. Primeiramente como uma espécie de
adoção materno-filial de total consenso entre as partes. A diferença também não
representou empecilho para que nascesse dali uma amizade, um pacto de atenção e
proteção com todos os prenúncios e promessas de vida longa.
Aí vieram os tradicionais enlaces sociais que acabaram
rendendo um batizado de fogueira e, a partir dele, o estreitamento dos laços,
desta vez até com uma forma de tratamento carinhosa. Tal afilhada, tal dinda.
Depois, a participação na vida também se estendeu a testemunha e madrinhato do
casório. Só faltou mesmo o apadrinhamento do primeiro rebento para selar os
compromissos.
O distanciamento, porém e em virtude das andanças e
desencontros, afazeres e escolhas da vida, foi se estabelecendo. Mas, essa
determinação da vida é dada de forma tácita. Afastamo-nos naturalmente dos
amigos e familiares. Não nos afastamos por desavenças ou abandono, mas por
injunções da vida corrida que vai canibalizando os laços e afetos.
Mas,
se a proximidade não era uma constante, a chama mantinha-se acesa e os
avistamentos esporádicos e mais a energia que fluía à distancia fazia crer que
a velha amizade cumpria os legados de longevidade e parceria cúmplice. Tudo ia
bem e até aparecer, bem em meio a bela amizade, a raiz dos contatos, das
malversações e das intrigas modernas: a rede social.
Nos
tempos que correm é sempre surpreendente reencontrar amigos, fazer novos e
estabelecer contatos diários com pessoas de perto e até de longe do
conhecimento presencial. As velhas amigas se reencontraram numa busca casual
por um dessas ferramentas básicas de exibição e comunicação e, também, como um
ingrediente mavioso de contatos imediatos. À força de um simplório click todas
as distâncias parecem ser superadas.
Acontece
que para estar na rede o tempo todo é preciso desocupação e ter a disposição um
bom suporte de internet. Sem isso, muitas palavras direcionadas a outrem podem
ficar vagando no limbo ou só serem vistas em situações favoráveis. Mesmo sendo
nossos smarts suficientemente promíscuos, do tipo que se deitam em qualquer
rede, nem sempre temos o tempo e a habilidade de ver toda verborreia que nos
enviam diretamente ou que nos interessam de alguma forma. Imagine, então,
responder a todas.
Uma
das amigas da estória – presumivelmente a mais nova – passava horas na frente
da tela mantendo contatos com deus, o mundo e a madrinha. A dinda, porem, não
estava a disposição da rede todas os minutos necessários para receber e
responder os petardos da amiga. Nem, muito, menos dispunha de um suporte full
time de internet. Tudo compreensível para quem desembarcou na
atualidade diretamente da era das cartas e carteiros. Mas, para quem parece ter
nascido na era da máquina, a falta de atenção contingencial soa como uma
afronta. Uma dessas de romper enlaces e provocar brigas.
Não
sei se essa anomalia atende por um nome, mas se coubesse um diria ser a síndrome
da mão única, uma patologia moderninha. Algo semelhante à mão estendida
que não encontra o cais seguro de outra mão para ancorar. Ou pior, a saudação
que não encontra eco a chamada desesperada que não cata um interlocutor. A
frustração pela perda da palavra emitida, nos casos mais graves, pode gerar
acessos de ira extrema, com capítulos tragicamente hilários de torrentes de impropérios
e tomadas bruscas de satisfação e chamadas
ao terreiro com a faca entre os dentes.
Ou seja,
a não
resposta passa a figurar como uma descortesia a mais no repertório dos contatos e laços sociais.
Foi
em um desses acessos que a afilhada, após alguns petardos perdidos, perdeu a
compostura. Armou-se com o supra sumo do seu repertório de baixarias e
ressentimentos, redigiu longa missiva e clique-se: mandou um spit
fire virulento para quebrar todos os resquícios da velha amizade. A
intenção, ao que parece, era não deixar nem os caquinhos da afeição.
Não
sei precisar se alguma coisa sobrou da amizade. Se da estrutura longamente
construída restou algum migalha de respeito. O que sei é que, pela virtualidade
se constroem amizades e, ironicamente, através da incompreensão humana sobre a
carência informática do “outro”, o esfacelamento das amizades está ali. A ridícula
distância de um desumano, judicioso e gélido click.
por
Edson de França