“Enchendo
linguiça!”. Foi assim que certa vez fui alfinetado enquanto tentava articular e
parir poucas (e mal pagas) ideias que dariam luzes a um projeto de conclusão de
curso. Faz uns bons 08 anos que o episódio aconteceu, mas até hoje a crítica
instintiva me obriga a ruminá-la.
A personagem criticava minha luta, talvez
inglória, de buscar elaborar argumentos e criar uma linha de raciocínio,
minimamente lógica, para o tal projeto de monografia.
“O texto
– tentava rebater o eu criticado -, sobretudo, o acadêmico, não pode ser
escrito de forma direta como as expressões de gíria que utilizamos na conversa
com nossos parceiros de copo e vadiação. Nem muito menos com poucas e tão
diretas palavras dispostas aleatoriamente num textículo mal ajambrado.”
“É
preciso, além da linguagem clara, um tanto de argumentação como artifício,
artesanato mesmo, da comunicação ‘complexa’ das ideias”.
Usei a palavra complexa para
acentuar que, se mesmo as ideias mais simples têm um “que” de mistério, bastaria
perceber a tal “inocência cruel das criancinhas, com seus comentários
desconcertantes”, como diria o poeta.
A
linguagem cientifica – ou até uma simplória crônica, se exigirmos um pouco de
purismo estético formal -, então, deve estar um degrau acima das nossas
argumentações corriqueiras. Exige elaboração. E elaboração quer dizer, numa
sequência rígida: ideia clara e precisa, inicialmente; acúmulo de informações
empíricas e teóricas; ruminação criativa para dispor no texto as informações
harmônica e coerentemente.
Finalmente, criatividade na
disposição dos argumentos que comporão o documento de comunicação a ser
produzido. É o momento em que se vê que o texto não se resume a frases soltas,
algumas de feitio, e emissões superficiais de pensamentos.
“Se assim não ocorrer,
concluí, com essa carne picada para moldar essa linguiça e explicar suas
poeticidades pueris, o tribunal acadêmico não absorve a propositura, nem
absolve o proponente!”
“Você
argumenta para explicar; para mostrar a profundidade das suas ideias, os vários
ângulos, possibilidades e fertilidade delas, além de permitir, a relativização
de seus pontos de vista!”.
Discurso
para o nada. Como convencer um ente de uma geração que não se acostumou com as
nuanças e particularidades do texto escrito mais denso. Que se amoldou ao
pensamento reto, direto, anti-dialogal; à lógica dirigista e redutora, sem
possibilidades de esquiva, da linguagem publicitária.
À lógica hipnótica da
propaganda ideológica que trata o indivíduo como objeto, entidade apenas com
desejo insaciável de consumo para coisas fúteis e supérfluas.
À escrita aforismática de
quem, com o uso de uma palavra desconexa, acha que já disse tudo. À palavra
autoritária, cheia de empáfia e esnobismo e, sobretudo, anti-reflexiva.
A nossa era é maculada pelo
discurso ideologizante. A linguagem com que nos conduzimos nas redes sociais
mostra bem isso. Frases feitas, pensamentos prontos e descontextualizados. Muitas
delas, errônea e risivelmente atribuídas a figurões das letras, circulam e são
reproduzidas incontáveis vezes.
Caímos, afinal, no rondó da
preguiça mental, no ócio improdutivo das combinações neuroniais. Na prática
insalubre de ficar às margens do córrego sujo, passagem dos pensamentos
rasteiros, pescando com bico torto e impreciso as impurezas que boiam na
superfície para, com elas, tentar entender o mundo, emitir opiniões e, ainda,
almejar produzir ciência. Pobres. Por hoje, penso que a linguiça já tá cheia.
por Edson de França