Mora
no mais intimo de nós brasileiros uma alegoria de realeza. Vive e se reproduz como
todas as mazelas que se enraízam no inconsciente e que, ao passar do tempo, tornam-se
impossível expurga-las. Reside dentro de
nós como um monstro, um parasita qualquer, cuja natureza é viver da seiva do
desavisado hospedeiro. Como
materialização modelar, poderíamos sugerir algo similar ao espécime alienígena
da serie Alien, o 8º passageiro (EUA, Ridley Scott, 1979).
Para
quem não assistiu ou não lembra, o filme primitivo da série Alien narra os
horrores do encontro da tripulação terráquea de uma nave espacial com uma
criatura altamente agressiva que ataca e mata impiedosamente os alienígenas,
nós. No primeiro encontro, o alienígena, ele, ataca um dos tripulantes e o
utiliza como últero ocasional para o desenvolvimento de seu horrendo parto. A
maléfica descendência mata o hospedeiro, cresce rapidamente e sai a cumprir seu
legado: o extermínio das formas humanas ali presentes. A comparação para o
nosso caso particular não é a aniquilação da carne, mas a aniquilação das
vontades.
Pois
bem, nossas fantasias de realeza estão entranhadas em nós, por mais que nos
consideremos politicamente avançados, como algo adquirido por contaminação e
transportado civilização a fora. Dá a aparência de algo atávico, culturalmente
reificado, que vai se reproduzindo através das nossas mentalidades sempre
tendentes aos padrões médios de raciocínio. Não sei até que ponto a cultura
cristã ocidental contribui para isso, nem a razão das suas raízes.. Também não
investiguei a fundo as tendências islâmicas para a formatação dos seus
califados. Grosso modo, acho que tanto lá como aqui, o ser humano traz essa
visão como base para enxergar e “construir” o mundo.
Cá
entre nós, essa anomalia nos leva, meio inconscientemente, a denominar reis,
aplicar título de realeza a tudo que nos pareça excepcional, além dos limites
infra-humanos de nosotros, pobres mortais. Aplicar-lhes, enfim, qualificativos generosos
como a genialidade de feitos e talentos, a infalibilidade de suas escolhas
pessoais e, sobretudo, a associação de poderes quase divinos a suas personas
tão exageradamente humanas. Somos elásticos nessas classificações.
Do
rei da juventude ao rei da sucata, da rainha da fava ao rei do osso buco, da
rainha do acarajé a rainha dos caminhoneiros, da rainha dos baixinhos a rainha
do bumbum. Isso quando não associamos alguns materiais, considerados por sua
nobreza, a pretensa qualidade laboral de algumas pessoas. Aí, a coisa já passa
pelos martelinhos de ouro da vida. Se permanecêssemos nessa esfera, creio que
não passaria de uma particularidade anedótica e folclórica dos nosso jeito de
ser. Acredito, porem que ela traz consequências mais danosas.
Penso
que essa visão dominante de mundo tende a reduzir o espirito critico, o
questionamento, a percepção crua da nudez do rei. A atribuição de
qualificativos extraordinários a quem, se olhado de frente, talvez não mereça.
Ou pior, por posse legítima, passe a se locupletar dessa condição. Mais
perniciosamente contribui para a concepção e o enaltecimento cego de uma sociedade
baseada no espirito da realeza. Sabendo-se, claro, que tal sociedade é composta
rigidamente dos iluminados (reis e descendentes), dos baba-ovos (parentes,
aderentes e xeleléus qualificados) e da ralé, eufemisticamente denominada de
súditos.
por Edson de França