Sou de um tempo onde, dentre
as recomendações aos passageiros de coletivos urbanos, destacavam-se duas. “Fale
com o motorista somente o indispensável” e “Proibida a utilização de aparelhos
sonoros no interior deste veículo”. Afora as informações gerais sobre limites
de lotação, passageiros em pé e sentados, preço da passagem, dedetização do
veículo nada mais era necessário. A viagem seguia em paz. Se bem que, vez por
outra, um operador do sistema ou uma paquera entrava pela porta da frente e
ocupava os degraus da porta em alguma conversa atravessada com o condutor...
Não se ouviam aparelhos sonoros, não sei se pela falta deles ou pela força de
lei da recomendação escrita.
Eram outros os
tempos. Penso que as cidades não agonizavam com o inchaço populacional,
tinha-se poucos automóveis circulando pelas vias, não haviam, enfim, o
ruge-ruge a correria em busca do vil
metal dos dias que correm. Bem diferente dos tempos de agora, onde o nome
coletivo cai apropriadamente nos limites da nossa conturbada convivência.
Coletivo é sinônimo de viver junto e, por extensão, é significado de balburdia,
desrespeito, insanidade, violência, competitividade, incivilidade. Por hoje,
basta de sinônimos. O que nos cabe convir é que proximidade de indivíduos gera confusão e gravíssimas diferenças de pontos de vista.
Com muitas idas e
vindas comecei a me incomodar com o cigarrinho que alguns insistiam em tragar, numa
época em que o fumo era um dos “esportes” preferidos dos brasileiros. À época,
era um hábito ainda tolerável. Não sei se pelo incômodo coletivo ou pela
descoberta e consciência da melevolidade do cigarro para os passivos inalantes
e para os pacholas fumantes, surgiu uma nova placa nos coletivos: a ilustração
de um cigarro com um X informava policialmente “proibido fumar no interior
deste veículo”(Lei nº 110 de 25/06/93). A lei era informada e o cigarrinho foi,
aos poucos, sendo banido do interior dos veículos.
Novos ajustes vieram
em seguida com novos reclames, postos ali por força de leis ou de novos ataques
a convivência andante dos busões. “Lei do troco” e “Estudante apresente a sua
carteira de estudante quando solicitado” para evitar as inevitáveis confusões
entre cobradores e passageiros. “Sorria você esta sendo filmando” para garantir
a segurança dos passageiros na era dos assaltos a coletivos. O ônibus urbano
passou com o tempo, também, a ser considerado veículo de propaganda in-door e
out-door. Eventos religiosos, produtos variados e até projetos poéticos
encontraram ali seu nicho publicitário.
O ônibus está para lá
de integrado na paisagem urbana. São eles o espaço da convivência mutante em
tempos de urgente e indispensável mobilidade. Convivência mutante e passageira
que, a cada giro das catracas do tempo, tem que ser revisitada para introdução
de novas normas. Novos dias, novos panoramas humanos, novas urbanidades e até
as novas tecnologidades introduzem novíssimos hábitos. A ciência da civilidade,
por esse prisma, é algo também em movimento sob ameaças naturais de evolução e
retrocessos.
Tornaram-se
irritantemente comuns em nossos dias o uso indiscriminado de tecnologias de
reprodução de som. Pra todo canto que você se desloque, dentro do ambiente
urbano, intermunicipal ou interestadual, é sempre possível ter-se a paciência
ultrajada pela ação de dijeis amadores munidos de celulares e limitados
princípios de civilidade, bom senso e respeito ao sossego alheio.
De volta à prancheta
das regras de convivência. Outros caminhos têm que ser traçados, ou melhor,
repisados. Caímos mais uma vez na velha questão da educação para a cidadania e
a civilidade, nossa eterna litania dramática. Outra vez parece ser necessário
investir na reeducação de usuários e esse é um processo desgastante. Outra vez,
é preciso de leis. E elas existem. Lei estadual (Lei Estadual número
9.977, de 2013, da Assembléia Legislativa da Paraíba) e leis municipais. Basta
a fiscalização e a coibição.
O que não se esperava
jamais é ter que, outra vez, reativar o velho reclame de proibição de aparelhos
sonoros nos coletivos para coibir os excessos sonoros das espaçosas hienas
urbanas que, ao expor ao mundo seus indigestos gostos musicais, trazem
embutidos boas doses de afronta e barbarismo.
por Edson de França