sábado, 20 de outubro de 2012

Bebendo música





A canção popular cria e recria a todo instante, ritmos, sonoridades, construções verbais e poeticidades que interferem no cotidiano auditivo das gentes e na composição de retratos das épocas. Incorpora esse caldo, ativo no inconsciente coletivo, às sensações de pertencimento a uma determinada cultura, a saudosidade ancestral e à criticidade permanente das conjunturas políticas.
A canção tem a função, se assim podemos falar, não apenas de remexer o corpo ou ativar as sensações elétricas das romanticidades efêmeras. Coisa em que a maioria que “dá voltas no trio” parece acreditar. A canção é, sobretudo, a sensibilidade artística, sob os cânones de uma plasticidade datada, aplicada sem peias nem cabrestos a sentimentalidade de um povo. Um caminho lúdico, em primeira mão, de se reconhecer e participar da vida e das marés tempestuosas da história.
Pareço, a primeira vista, teórico demais, ideologista demais, hermético demais e outros istas a mais demais nesse começo de texto. Sei que posso soar esnobe para alguns. Mas posso me explicar, com sua permissão, caríssimo leitor. A música popular é elemento fundamental para a aprendizagem, para a vivência e auto estima de um povo. Irredutivelmente, é preciso ser consumi-la e ponto final. Penso dessa forma mesmo e talvez não saiba dizer a mesma coisa com palavras mais simples. Foi assim que sempre compreendi (ou tentei compreender) a música – mais precisamente, a canção popular (visto não termos, brasileiramente falando, uma tradição erudita, clássica, por assim dizer) – de minha época, desde a minha distante e persistente adolescência.
Não fiquei imune aos primeiros acordes que ouvi de Belchior, Raul Seixas, e Ednardo e Luiz Gonzaga e Capiba e Jackson do Pandeiro e Trio Nordestino e. Não tinha como. Nem com Livardo Alves, Vital Farias, Cátia de França, Biaia,
Zé e Elba Ramalhos, paraibanos de fé. Nem muito tardiamente a Disparada de Geraldo Vandré e Theo de Barros, mesmo sendo paraibano. A mandíbula do burro executada no acompanhamento de um frenético Jair Rodrigues ressoa no meu ouvido a todo instante.
Falei que ouvi tardiamente a disparada de Vandré e foi. O que só me convenceu, também precocemente, da nossa pobreza cultural. Pobreza não em termos de produção (nisso, somos admiráveis), mas nas difusões enviesadas da cultura endógena. Santos de casa jamais fazem milagre por essas bandas. O que, por fim, nos acomete de um desconhecimento pífio de nossa produção cultural, deixando faixas de público e regiões totalmente ignorantes do “barulhinho bom” que se faz por aqui.
Por gostar de remar contra a maré é que casei com a música da Paraíba de várias maneiras. No cartório e na Igreja - com juiz padre, padrinhos e testemunhas - me casei com a música dita “séria”, uma Música Popular da Paraíba com certa griffe que tanto agrada aos intelectuais, música cabeça. Mundanamente, fui seduzido e me amancebei com a música brega. Aí rolou uma cerimônia simples, com direito a audições de música  de parques de quermesse e “festas americanas” do subúrbio que nos pariu. Para completar, ainda flerto auditivamente com toda a produção instrumental, experimental, eletrônica, multimídia, raps, repentes e batuques produzidos por contemporâneos. Virei amante fiel, cuidadoso, extremado, com ouvidos liberados para todos que usam a música como forma de expressão e creem no ato de criar como uma forma sempre renovada de viver a vida como passagem e o instante como forma de interação.

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 Para hoje a pedida é Livardo Alves, em verso e ironia, na canção Doido da Paraíba, música do álbum duplo Malandro do Morro.

Pra ser doido na Paraíba
É preciso ter juízo

Tem que pular feito guariba
Tem que cantar de improviso
Tem que lamber, dendê, macaíba
Chupar um limão e dar um sorriso

Tem que ser artista, masoquista, equilibrista
Alquimista, alpinista
Tem que ser polivalente, inteligente
Inconsequente do jeito que o povo gosta

Eita doido maneiro
Não rasga dinheiro, e nem come bola
Eita doido faceiro
Que bate pandeiro e toca viola


@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@ Derradeiras Abaixo
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A situação da saúde no Brasil é de fazer chorar. Por aqui o serviço público de saúde sofre pela ação nefasta de gestores e agentes (leia-se máfias infiltradas sistema, má gestão das políticas públicas, políticas públicas inadequadas, agentes despreparados e mais). Enquanto penteava essa derradeira, uma olhada no site da Revista Época deu-me o mote que precisava para ilustrar minha fala (http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/10/saude-pede-socorro.html)
Por essas e outras é que entre a população prolifera a desconfiança quanto à eficiência do serviço público de saúde. Verifica-se, também, certo “preconceito” que visa desqualificá-la mais ainda. Enquanto isso, o setor privado – este que um dia foi símbolo do status sócio-econômico e uma das joias do ideário neoliberal contemporâneo - não passa de gestor de “planos de saúde” na melhor acepção da palavra. Para estes, o cliente (ou seria vítima?) só serve enquanto são. Haja, portanto, saúde para trabalhar e pagar mensalidades (altíssimas, reajustadas religiosamente e por faixa etária), baixa cobertura, rede sofrível de atendimento e etc.
Para equacionar tudo, além da TV a cabo, das prestações do seu possante financiado e das especialidades não cobertas por seu plano máster, faça também um plano funerário. Pode ser que na hora em que você precise realmente de um plano, este seja realmente o que lhe socorra. Amém!

por Edson de França

Lendo as cidades







            Quando se embarca num coletivo urbano pode-se ter certeza de uma coisa: não teremos pela frente, em termos de paisagem, um mundo uniforme. Você irá do primeiro ao terceiro mundo em questão de segundos, verá inferno e maravilhas nas tessituras da cidade em que mora ou que visita, passará pertinho da ineficiência administrativa e estreitará misérias e sub-humanidades em exemplos bem vivos. Verá, com certeza, poucas grandezas que encham olhos e peito de esperança.
            Nos percursos abertos para os transportes individuais geralmente as vias tem pavimento aceitável, ruas relativamente largas e exemplares de “desenvolvimento” no “bom gosto” da arquitetura das casas de moradia e comerciais. Mais curto, mais objetivo, mais cômodo. Nas vielas destinadas aos coletivos é onde o Brasil mostra sua cara como uma face deformada pela acne. Centímetros de pele sã dividem espaço com protuberâncias sanguíneas que imploram ungüentos e cuidados especiais.
            O Brasil carece ser estudado a frio. No tête-à-tête das ruas é onde se gesta a consciência de que há um trabalho a ser feito. Todo o conhecimento acadêmico com que se entope as veias das juventudes ávidas pelos empregos do futuro de nada servem se não conseguem estabelecer métodos de análise crítica sobre a plataforma social por onde pisam nossos insensíveis pneumáticos. Tal método deve morar primeiramente nos livros, claro. Mais é urgente que ele salte de lá, dialogue com a realidade e surja novo como conhecimento e propositura.
            Por nossas paragens moram resquícios de um coronelismo (hoje high-tech, repaginado, mas tão atrasado em sua lógica como ontem de manhã) e uma crença na determinação divinal das situações. O discurso de mudança só aparece como figura retórica no discurso político sazonal. Não está encarnada como meio de ação na cabeça nem na postura da maioria de nossas gentes. Assim sendo, todas nossas mazelas sempre aparecerão como naturais, cristalizadas, portanto, insolúveis.
            A paisagem caótica de nossas cidades parece não ser objeto de dissecação para estudantes em geral. E o cardápio, ao contrário do que possa se pensar, é amplo e oferecido gratuitamente. Desde as Letras (a grafia risível dos selves-selves, por exemplo, uma nova língua, uma interpretação popular, uma estratégia de resistência à invasão dos estrangeirismos e ao ar esnobe das classes que pensam dominar a língua?), a História (que critérios determinaram a ocupação urbana?) até o Planejamento urbano (Em que armários foram parar os planejamentos das vias de locomoção?) e a Engenharia (Construções feitas abaixo do nível da rua não acomodam homens-ratos que não resistiriam à primeira enchente?).          
                  As cidades mostram suas contradições como microcosmos de uma “realidade” brasileira reiteradamente reproduzida. Você verá obras monumentais, é certo, moradias dignas, é certo. Mas verá também universos insalubres, mal planejamento urbano, casario decadente pedindo demolição, arranjos arquitetônicos do improviso suburbano, estreitezas de vias e submoradias se amontoando numa babel contemporânea. A cara das nossas cidades, toscamente maquiada, se mostra para quem vê a partir da janela, na maioria das vezes empoeirada, de um coletivo urbano.

por Edson de França

sábado, 13 de outubro de 2012

Garotos (resumo tosco)





Também já fui garoto. Brasileiro, paludo, peladeiro, passarinheiro, caçador de lagartixas. Do mundo das bolas-de-gude, buras, triângulos, dos patachos e notas de carteiras de cigarro que tinham valores imaginários, de baleadeira de soro para imolar passarinhos e calangos. Fui torcedor do Flamengo até perceber o equivoco; mudei de flâmula e nação. Jamais tive uma “nega Tereza”. Deixei de caçar anuns e lagartixas. Abracei outras nações e outras causas. Horizontes distantes desafiavam-me a vê-los de bem de perto.
Como garoto sonhava. Tinha medo de fantasmas, quebrantos, cria em crendices, bicho-papão, queria ser lobo. Apreciava a chuva doce, a tempestade.  Tinha medo de raios, divertia-me com os trovões. Aprendia ingenuamente. Apreendia a vida, a oficina de serralheiro, os cadernos, o violão imaginário, a guitarra esculpida em madeira bruta, os sons dos bate-latas e ala-ursas no carnaval.
Crescia entre a ingenuidade dos justos e a fé dos miúdos. Aprendi a sentir deus em meus pulmões (a falta de ar me fazia piar como uma ave noturna) enquanto escalava as árvores do quintal ou me dirigia aos pontos mais elevados do bairro para assistir a vida que corria na velocidade dos automóveis na BR 230 e nos casebres de beira de estrada que escondiam as gentes humildes do meu lugar, com sua férrea rotina e suas crias sambudas e remelentas.
Fui pescador nas lagoas, candidato a manchetes de jornais sensacionais em tempos de escassez de noticias (até hoje não sei nadar), consumidor voraz de oliveiras para deixar a língua roxa. Demorei a andar de bicicleta. Levei meus tombos até desistir de ter professores para esse oficio. Tornei-me caminhante; assim vivi aventuras. Até hoje acho que não sou mais que isso: um caminhante. Caminho como d’antes pelas vielas da vida real e pelas entrelinhas do espaço psíquico dos livros.
Um dia, em meio à caminhada, senti que havia crescido. Crescido em ossos, em tez, em princípios, em malicia para desconfiar do mundo e de suas vontades, em couraça para assimilar seus golpes. Restara, porém, algo de ingenuidade na marca lesa que me acompanha na insistência do sorriso. Saboreei dos mistérios. Apoderei-me de chaves que decifrariam enigmas do corpo e eliminariam os recalques da alma.
Não vou dizer que a vida não me tenha azunhado com suas lâminas. Não me poupou de cortes; uns bem profundos, outros superficiais como uma brisa marota que “beija, brinca e se vai”. Tive que aprender a curar-me com os seus (e os meus) próprios venenos. Nunca mais fui o mesmo. Aquele menino, contudo, não ficou perdido naquele templo indefinido do deserto onde o adulto amarra da infância. Onde a abandonamos para dela trazermos apenas os recalques.
Também já fui garoto. Sonhador, nobre do reino da infância. Capitão-mor do território das ilusões pueris. Arquiteto de castelos invisíveis e feitor soberano de suas herdades. Para um território tão pequeno um mundo de possibilidades, como a sonhar fazer parte da fauna invisível do jardim, junto a joaninhas e emboás. As pequenas e passageiras maravilhas. Onde ninguém poderia ir, estava eu... como agora, página em branco e mergulho telúrico em resumos tão intransferivelmente meus.
Por isso entendo e desentendo os garotos; os que vivem a presença da idade e os que moram, por pura molecagem, dentro dos homens já contaminados pelas objetividades da vida. “O menino é o pai do homem”, fixou o genial “bruxo do Cosme Velho”, em Memórias póstumas de Brás Cubas. Por molecagem ingênua de homenino rezo para que, por dentro de cada homem, caminhe o menino que ele um dia foi, possuídos da submissão vigilante e curiosa aos enredos desenredados dos mistérios da alma, da carne e dos ritos do existir.

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Banda sonora
“Há um menino, há um moleque... Toda vez que a bruxa me assombra ele vem pra me dar a mão”  http://www.youtube.com/watch?v=0BImp-7-Kzc&feature=fvwrel
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####################################################################### Derradeiras Abaixo
Quando não se fala em mudança, o verbete preferido das administrações públicas ou dos pretendentes a assumi-las é construção. Fala-se em construção como se, obrigatoriamente, tudo o mais não estivesse. Pessoas, natureza, coisas são objetos em construção permanente. Partimos do principio de sermos um “nada” que vai em direção a alguma coisa. Uma nova percepção, uma nova condição, um novo status. Porém, construir exige elementos sólidos, determinação, rupturas quase sempre dolorosas. Fica difícil falar em construção quando o velho traveste-se de novo para permanecer ou contamina com seus miasmas o processo de mudança.
Uma nova Paraíba, por exemplo, (desculpem o pessimismo renitente do cronista) nasceria da instalação de novas mentalidades, de uma gente disposta a dizer sim ao novo, não ao velho, porém, com ponderação nas escolhas. Depois, a desapropriação dos elitismos, dos coronelismos, dos paroquialismos, dos catolicismos arcaicos, dos individualismos antiproducentes. A continuar sob o julgo desses ismos todos, a nova Paraíba teria que ser construída nas camadas estratosféricas onde uma nova ordem se estabelecesse como regra, meta e desapego dos projetos personalistas.
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por Edson de França

Edições para amanhã




           O jornal impresso é um meio de comunicação caduco. Decrépito mesmo. Vem mal das pernas desde que os meios eletrônicos tomaram de vez a vanguarda jornalística. Processo baseado na técnica que tirou dos jurássicos diários de papel a primazia da informação quente (o “furo”) e da opinião que influenciava as massas.
Dilema instalado coube aos amantes do papel-jornal, do burburinho das redações e do barulho das rotativas procurar soluções editoriais para garantir sobrevida ao jornal. Infelizmente, ao que parece, sem sucessos dignos de nota.
            Do mundo acadêmico emergiu a solução da recorrência ao estilo interpretativo, uma forma ousada de incorporar à produção jornalística o incremento da investigação e da narrativação contextualizada. Solução que, infelizmente esbarra nas fragilidades estruturais e financeiras das nossas empresas e na falta de profissionais para formar equipes competentes para produção. Além, claro, da previsível pouca aceitação dessa forma de jornalismo pela população, notadamente “indisposta” a leituras mais contextuais.
            O jornal impresso é um meio de comunicação caduco. Decrépito mesmo. Vem mal das pernas desde que os meios eletrônicos tomaram de vez a vanguarda jornalística. Processo baseado na técnica que tirou dos jurássicos diários de papel a primazia da informação quente (o “furo”) e da opinião que influenciava as massas.
Na seara das corporações midiáticas as soluções passaram pela transformação dos jornais em espaços promocionais tipo assine-e-leve um brinde e, finalmente, pela decadência contextual que deu vida aos tablóides sensacionalistas que invadem as praças de quase todo o país.
Como se vê duas soluções opostas. Uma prezando pelo aspecto editorial de conteúdo e a outra pelo aspecto mercadológico.
            As duas soluções, contudo, se afinam em um ponto: o alvo é o público médio consumidor de informação jornalística. É ele o perseguido, em prol de quem se fabrica informação jornalística. Um público que não tem exatamente uma cara, mas que tem um perfil médio, medido a força de suposições, pré-conceitos ou números suspeitíssimos (porém, objetivos como todos os números) sobre desejos e aspirações informacionais bem medianas.
Um – o acadêmico – querendo investir na subida do nível cultural do publico através da informação. Paradigmaticamente, buscando a valorização conceitual da capacidade cognitiva de apreensão, compreensão e criticidade. O outro, por pura razão de sobrevivência, detectando e explorando no público seus mais gostos mais bizarros, seu analfabetismo funcional e a pressa do mundo moderno que desconsidera reflexões mais contextuais e aprofundadas.
Quando as coisas chegam ao ponto de detectarmos extremidades inconciliáveis é tempo de novas proposituras. Nelas talvez esteja a solução para dilema do jornal impresso – quiçá ate do velho jornalismo como um todo. Envelheceram juntos o jornal impresso e o jornalismo. Não importa qual a plataforma usada o fato é que a prática jornalística está sendo posta em cheque a cada fim de ciclo.
O que se esperar, então, de cada nova edição impressa? Que papel cumpre hoje instituição jornalismo que, de uma forma ou de outra, formatou o perfil do cidadão no mundo industrial e serviu de fomento às sociabilidades modernas? As novíssimas plataformas são o suporte ideal para a prática de jornalismo digno às aspirações dos cidadãos de um mundo que se mostra cada vez mais complexo? Caímos por fim numa era de voracidade informacional que desabilita o cidadão de ler seu próprio tempo? Será que essa leitura não é mais necessária, uma vez que a necessidade básica é consumir e descartar, sem digerir, sem matutar, sem ruminar ?
Perguntas para profissionais. Perguntas para especialistas. Perguntas para estrategistas. Não importa o nível de qualificação de um ou outro. O que importa, fundamentalmente, é estarmos todos atentos para as qualidades, defeitos e potencialidades das edições do amanhã.

por Edson de França