Osvaldo Montenegro denominou de “castelos
psíquicos” a vivenda aonde vão se entocar os personagens que sobre os quais
escrevemos. Estes uma vez personificados em prosa ou poesia, devidamente
insuflados de personalidade, simplesmente não se desfazem no ar feito uma bolha
de sabão barato. Não nos abandonam, por assim dizer. Melhor. Ganhando vida
própria, desencarnados de nós, eles passam a nos espreitar, a nos seguir, nos
penetrar, intrusos.
Seus olhos, ao invés de inexpressivos como os dos zumbis ou mortiços como
os dos fantasmas, são vivazes e prescrutadores. Olhos vivos, uma vez possuidores
das mil possibilidades que compõem anfiteatro das emoções e reações humanas.
Eles nos habitam informal e anarquicamente.
Oswaldo ainda sugere que os personagens que aquilatam nossas emoções.
Pesam-nas só para efeito de censura e alguma condescendência. Ignoram nossas
ousadias, riem de nossas tibiezas, comemoram sádicos nossos tropeços. Afinal,
fazendo parte indissociável de nossa psique criadora e vampiresca concluem
satisfeitos “somos você amanhã e ontem”.
Presente, passado e futuro, assim como nessa existência material, compõem
a vida dos personagens. Esquecemos disso quando sopramos suas narinas. Nossa
vontade é aprisionar suas existências em um lapso de tempo curto, nas tramas de
um romance, um conto ou uma simplória poesia. Entre situações bizarras por nós
criadas para dar-lhes um fôlego mínimo e, se possível, provocar o riso ou o
choro no incauto leitor.
Para emoções tão piegas utilizamos o código lingüístico como amarras,
âncoras, grilhões e a narrativa como teia viscosa para enredar vidinhas.
Cárceres, enfim, para personas imaginárias ou, na grande maioria das vezes,
colhidas do mundo real e maleficamente caricaturizadas. Contudo, apesar do
nosso esforço em brincar de deuses (matando-os, inclusive, para dar
verossimilhança à trama), eles não se atém a superficialidade das palavras ou
aos limites acanhados das situações criadas. Para o personagem a palavra é rio,
correnteza. Mar de profundezas insondáveis. Ele sempre exigirá mais vida que a
que emprestamos.
Visibilidade, atenção, releitura. Revisita. Os personagens das histórias
não arrastam correntes, mas perambulam pelos pavilhões desses castelos que
criamos, dão boas vindas aos que chegam, estabelecem relações de vizinhança com
eles. Amiúde, por não gostarem da solidão, guiam o olhar do cronista
permanentemente para um possível novo morador da mansão dos mortos mais vivos
que se tem notícia.
por Edson de
França